5.8.10

Moleskine

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Nove anos. Você passou um terço da sua vida ao lado de alguém que nao sabe até hoje se gosta ou nao. É normal confundir amizade com amor, mas nove anos é um senhor tempo. E agora, que você esta formada, você se vai. E agora você tem tempo livre. Tempo livre da faculdade. Tempo livre das suas obrigaçoes. Aliás, só o que você tem é tempo livre (e nada mais.) E você nao sabe nem por onde começar a gastá-lo, entao você dorme o dia inteiro. E passa a noite acordada, porque nao sabe dormir sozinha. Passa abraçada com seu Moleskine, seu companheiro de aventuras, descarregando suas memórias. Sai de vez em quando, conhece alguem novo, se interessa, se envolve um pouco. Nao muito, nao quer se relacionar. Quer lembrar como é estar sozinha, mas voce sente falta de uma companhia. Você sente um vazio, um buraco inexplicavelmente infinito dentro de você. Nao dá pra encher com cerveja, com pó nem com comida. (E dizem que depois você se acostuma.)

E eu entendo, N. Entendo muito bem. Faz dias que nao como direito, que nao durmo, que nao saio de casa. Meus amigos vêm me visitar e eu finjo que nao estou. Tá tudo fechado mesmo. Sento na frente da tv, o controle me acompanha dum lado e o Pixote do outro, esfregando o fucinho na minha cara. Me custa escrever, me falta vontade. O faço por obrigaçao, nao por ofício. Às vezes desabo no sofá enquanto algum filme de açao me aborrece e acordo suado, perturbado, quase enforcado pelas cobertas no meu pescoço e com travesseiro jogado no chao. (O Pixote fica longe.) Passo o resto do dia num universo paralelo, tentando, sem sucesso, relembrar meus sonhos. A primeira coisa que me ocorre é dor, muita dor. Mas sempre acordo inteiro, fisicamente. Sem nenhum arranhao do Pixote, sem dentada, sem nada. Minha mente mente me devasta. E o pior, essas dores nao se curam nem com Merthiolate nem com Prozac. Já nao sei mais o que fazer.

Eu era seu Moleskine, N.