30.5.10

Na sua

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Passou a noite tranquila. Descia pra fumar um cigarro, subia pra assistir a festa acontecer. Levantou quatro ou cinco vezes pra buscar uma cerveja, abriu a boca três ou quatro vezes pra fazer algum comentário, lançou dois ou três sorrisos.
Foi pra casa dela. Buscaria o carro no dia seguinte, não se sentia em condições de dirigir. Nem queria dirigir. Subiram as escadas, cada uma no seu ritmo. Prepararam-se para dormir, cada uma no seu ritmo. Deitaram-se, cada uma no seu canto. Nem boa noite.
Acordou no meio da noite com uma mão contornando-lhe a cintura. Se eriçou como se fosse gelo. Abriu os olhos, olhou pro vazio. A mão continuou, entornou o umbigo, arranhou os vãos das costelas, alisou o bico do peito. E ela lá, imóvel. Ofegante. A mão desceu de norte a sul e ela lá, estática. E ofegante. Foi posta de bruços, suas pernas abertas. Ela também ofegava às suas costas. E mais. E e ela mais. Cada uma no seu ritmo. Sem pressa. Foi despida. As peles se roçavam. Sentiu dentes se cravarem em seu pescoço. Não conseguiu abafar o gemido. Se arrepiou do cóccix até a nuca, arqueou as costas e se soltou. Piscou forte. Seus olhos ziguezagueavam no vazio, como que tentando enxergar, mas era só o travesseiro. Sentiu uma gota de suor escorrer pelas suas costas. Não era dela. Os pelos do braço se eriçavam, e ela agarrava com mais força os lençóis. Tudo girava de leve. Apertou os olhos de novo, tentou focar o olhar no pé da cama. Tudo embaçado. Gemeu, dessa vez quase um sussurro.
Virou-se de lado, entrelaçou sua perna nas dela, segurando-a pela coxa direita. Encaixou a cabeça no peito dela. Dormiram, cada uma no seu ritmo. Acordaram, cada uma em um canto da cama.
Levantou primeiro, catou a calcinha ao pé da cama, depois calça, sutiã, camisa e agasalho. Vestiu peça por peça, cuidando pra não esquecer nada ali. Foi até o banheiro, ajeitou o cabelo com as mãos, lavou o rosto, bochechou pasta de dente. Escutou os passos dela. Desceu as escadas, destrancou o portão, saiu. Jogou as chaves por cima do muro e seguiu, sem olhar pra trás. No seu ritmo.

25.5.10

Sem querer

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Chamou a menina de canto e pagou-lhe uma bebida, sem ofender. Levou-a pra casa, sem ofender. Rasgou seu vestido em dois, sem ofender. Jogou-a na mesa, sem ofender. Meteu bem dentro dela, sem ofender. E ficou ali, suando naquele vai-e-vem, olhando pra luminária, vai, pro prato sobre a mesa, vem, praquela cara de sofrimento, vai, pro retrato no criado-mudo, vem, (agradeceu a ele por ser mudo,) vai, pro prato que se espatifava ao chão, vem, pra gota de suor que escorria daquela nuca loura, vai, praquele pescoço molhado, vai, praqueles olhos que lhe encaravam, vem. Parou. Se afastou. O alívio naqueles olhos verdes o repeliu, como se o jogo acabasse. Se sentiu mal. Olhou pro vestido arregaçado, depois pro anular. Tentou disfarçar o embaraço.
Pegou uma camisa justa no armário, uma samba-canção e deu dinheiro pro táxi. Por favor, vá. E não tente lembrar onde eu moro. Sem ofensas.

24.5.10

Marcinha

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Não sei como é que você consegue ficar tanto tempo com esse cara. Ele é tão grosso, Marcinha, que pisa no prego e não sangra. Eu não aguentava ficar com ele daqui até o meio dia. O cara te reprime desde o bafo do seu bom dia até o meloso do seu boa noite, te ofende, te machuca. E você, que não é do tipo que leva desaforo pra casa, há treze anos se deita com o próprio desaforo, Marcinha. Poxa. Já não é câncer que ameaça, é metástase.
O que é que você tá esperando? Há muitos peixes no mar. Peixe-palhaço. Peixe-espada. Namorado. Pacu. Ah, pacu é de rio. Tem o rio também, Marcinha! Você que sabe nadar vai tirar de letra. Quem sabe até um boto te aparece. Traíra não vale. E cuidado pra não cair na da Iara, que essa não é das suas.

... Só não me volte com essas histórias de pescador aposentado.

Auto-análise

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Eu realmente tenho escrevido muito ultimamente, não?

23.5.10

Flávia

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Acordou se sentindo meio upset aquele dia. Chateadinha, angustiada. (Mas upset caía melhor.) Não pelo fim, sim pelos meios que levaram a ele. Uma semi-briga de palavras escritas e com ampla margem para infelizes interpretações - de ambos os lados.
Ela própria havia incitado o fim, a outra só o perpetuara, com suas não mais do que cinco palavras. Flávia, beleza. Fico por aqui. Não conseguia entendê-las como sendo outra coisa que não ódio ou rancor, e isso certamente não era o que havia previsto. O ser humano é um bicho, que reage das formas mais inesperadas quando se sente ameaçado. E ela própria não escapava dessa observação.
Nada mais efêmero do que um caso de três encontros e um fim de cinco palavras. Poético.
Sentia coisas que não entendendia, nem sabia se podia. Tudo acaba. Era uma vez ninguém que sonhava ser alguém, atravessou a rua e morreu. Todos nós fedemos debaixo da terra, no fim. A gente nunca sabe quando, mas as coisas sempre acabam. Só que esse fim de cinema, esse fim surreal, esse fim lacônico lhe angustiava de uma forma indizível. E então ela se sentou no meio-fio e começou a escrever. Pra tentar entender. Pra tingir o papel de remorso. Essencialmente pra passar o tempo, já que chegara no ponto de encontro meia hora antes do combinado com sua carona, e não possuía muito mais do que uma coca-cola, uma caneta e uma caderneta amarela.

21.5.10

Fill in the blank

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Nada me faz chorar. Filmes melosos, filmes bonitos, prova, entrega de trabalho, vontade de desistir da faculdade, fim de namoro, quebrar a cara, não poder correr, não poder jogar. Palavras cortantes, pancadas na cabeça, brigas, discussões, afrontas. Nada.

E eis que fui fazer um teste de psicologia. Teste de placas. (Quando a amiga da Psicologia pede com jeitinho, a gente atende.) Descreve uma, duas, três, onze. Falta só uma. As pessoas têm reações diversas a essa placa, ela avisou. E aí levantou a placa. E um branco olhou pra mim. E eu olhei pro branco. O que você vê? Capuf. Eu vejo nada. Eu não vejo... absolutamente nada. Nada. E aí eu chorei. Uma placa em branco me fez chorar. Uma placa em branco teria me feito chorar o dia inteiro, se eu não me controlasse. Aquele monte de nada olhando pra mim, e eu olhando pra ele. Aquele monte de nada me esperando. Como a minha vida ultimamente. Eu me vi naquele nada. Não quero nada, não faço nada, não tenho vontade de nada, não quero dizer nada quando digo nada.

Ééé, placa em branco... você vai pra análise.

20.5.10

Autocensura

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É uma coisa que não costuma existir aqui. Se eu não tivesse ido dormir às cinco pra acordar as oito, hoje eu teria dito viu, get over it, já se passaram quase dois meses desde aquele dia em que você decidiu me culpar pelo mal do mundo. Não fui eu que fiz as coisas assim, cacete. Tendo dormido só três horas, meu cérebro decidiu que não seria um bom momento pra falar o que bem entendesse, uma vez que isso desencadearia novas discussões e eu estou tão azeda que minha boca não cospe muito mais do que vá se foder. Hmmn... acho que não seria uma discussão muito produtiva.
Mas algum dia minha falta de autocensura ainda me pega no contrapé e eu falo isso tudo aê duma vez só, e muito provavelmente não estarei bêbada pra poder ter uma desculpa. Bem como eu não estava quando escrevi uns par de coisa aí e apertei o "enviar" no email. Tenho que começar a aceitar esse meu caráter... excêntrico.

18.5.10

Não confundir choro com esporro

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No espelho, aquela mesma olheira de uns tempos atrás me encara. Qualé, porra, eu queria saber, mas minha inexpressividade só me olha de volta com a mesma cara de sempre, e eu fico assim, não me dizendo nada o dia inteiro. Nada faço o dia inteiro, e nada continuo fazendo o resto da semana. Peguei o ônibus errado, esperei o ônibus certo no ponto errado, demorei uma hora a mais do que o normal pra chegar na faculdade, cheguei uma hora antes da aula começar e não entrei pra ficar conversando do lado de fora. Quanta determinação pra fazer um socialzinho.
No espelho, aquela mesma cara de mesmice me encara, mas, lá no fundo dos olhos, ela desesperadamente quer querer fazer alguma coisa dessas que dizem que dá futuro na vida, - estudar, trabalhar, etc. - mas ela não quer fazer porra nenhuma. Ela não consegue nada. Ela não consegue nem chorar. A última vez que lágrimas invadiram seu rosto, ou o meu, foi num casamento, e foi ridículo e chichê. A penúltima, foi quando torceu o pé, quase três semanas atrás. Não sendo uma dor física ou patética, ela nem sabia mais o que era chorar. Sentimento, o que é isso? Como funciona? O choro ficara entalado numa escadaria qualquer, três semanas atrás, pra nunca mais sair.

Ajuda. Alguém me ajuda? Eu não sei como. Só... ajuda. Compaixão, talvez. Não quero que me endireitem, que me peguem na mão pra estudar, que me ponham pra trabalhar. Só queria nunca mais me sentir assim na vida, muito menos com essa frequência. Eu acordo melhor, sempre melhor, e aí ninguém percebe nunca. Mas tem umas noites que, putaqueopariu, escondam os objetos cortantes da casa e me ponham pra dormir.

17.5.10

What is love anyway?

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É ouvir tudo até o fim? É querer que a noite não acabe, ou desejar que o dia não comece? É perceber que as palavras já saíram da sua boca quando você sequer as tinha registrado? É estar junto? É respeitar o desejo de estar separado? É procurar vinis pro outro ouvir ao invés de estudar pra sua prova? É se submeter a um tipo de relacionamento que você não sabe se consegue levar? É passar o dia inteiro chorando por causa de alguém, ou um mês inteiro sem chorar porque não sente mais nada por ninguém? O que é essa porra desse amor, anyway?

14.5.10

Ensaio

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Ah, ela era tão bonita. Ah, como ele queria chamá-la pra sair. Passou o dia pensando no que dizer, ensaiando, fantasiando o momento. Lembrou-se do que um amigo dissera, que sempre que queria dizer algo e não sabia bem como fazê-lo, escrevia antes, pra não esquecer ou se enrolar. Pegou uma folha de papel, escreveu, escreveu, escreveu. Amassou e atirou no lixo. Pegou outra, escreveu frente e verso, desistiu de novo. Algumas tentativas depois, quando já não havia mais folhas brancas, arrancou um pedaço de papel do caderno, rabiscou e enfiou no bolso.
Chegou no colégio adiantado, olhou prum lado, olhou pro outro, nada dela. Acendeu um cigarro, tragou, se engasgou com a fumaça, não sabia tragar. Uma mão tocou seu ombro, ele virou e lá estava ela. Gaguejou, tremeu na base, tocou o papel no bolso, desistiu. Se viu fazendo papel de bobo até a hora em que ela perguntou o que ele iria fazer amanhã depois da aula. Nada. Vamos fazer alguma coisa? Claro. Nos vemos na saída.

No bolso, o papel: "Como foi o seu dia?". Talvez ela gostasse dele, mesmo idiota.

11.5.10

EU

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Me tornei um ser humano egoísta e medíocre, que não torceria pra uma greve em prol dos próprios treinos de futebol, se fosse o caso. Que fala de futebol e faz álbum da Copa e fala mal do Dunga enquanto o mundo cai, e não quer saber de muito além. Eu não leio jornal todos os dias, nem revistas, nem nada do tipo. Não sou engajada, leio as manchetes e clico nas que me interessam.
Se eu apoio que os deputatos tenham recesso remunerado durante a Copa? É óbvio que não. Se eu acho os salários da USP justos? É óbvio que não. Votaria, se fosse o caso, contra esse recesso idiota. Quanto à greve, me abstenho. Não ajudo, nem atrapalho, não voto contra, não faço nada. Engajados da Cidade Universitária, uni-vos. É óbvio que não vou votar contra os meus treinos quando eu mato aula pra jogar futebol, me desculpem. Falo isso mais pra ilustrar meu pensamento, uma vez que nem em condições de jogar eu estou.
... Mas é isso aí, eu sou medíocre. E não consigo sentar a bunda na cadeira pra estudar, e estaria jogando futebol sem culpa se fosse o caso. Quem vota depressão? Quem vota professores ruins? Quem vota falta de perspectiva? Quem vota vai se tratar? E forca, alguém?

10.5.10

Tudo pode dar certo

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E ela vem. Empina a bunda e encosta o peito no balcão. O barman vê e faz que não vê, pega a caneta e faz que risca, se arrisca, mas não risca na comanda. O primeiro mojito é na faixa, o segundo nem tanto, o terceiro só se você for pra casa. A noite é uma criança, velha e drogada. Às vezes, a vida anda tão ingrata que só o que a gente quer é fazer as coisas sem pensar em nada. Então ela foi. E trepou sem camisinha, e foi bom, e era só o que importava. (Na hora.)
Na semana seguinte, poucas horas depois de regressar à Porto Alegre, sua boca soltava palavras de amor e suas mãos tremiam de ansiedade. No mês seguinte, a menstruação não desceu, nem no outro, nem no outro, e só desceria quando mandasse a cartilha do corpo humano.
Em São Paulo, atendeu o telefone um tal de Felipe, que sentou numa cadeira inexistente e passou o mês seguinte, e o outro, e o outro sentando de lado por causa do cóccix arrebentado, até quando mandasse a cartilha do corpo humano. Engoliu seco, ficou prostrado do outro lado da linha. Como convencer uma menina de que o filho que ela carrega no ventre não é seu, quando ela é lésbica e você foi o único pau amigo dos últimos cinco anos? Fim da linha.
Na vida, às vezes, pequenas ações podem mudar o curso de tudo. Se o cartão de crédito não tivesse travado, três, ao invés de duas caixas de camisinha estariam estocadas na cabeceira de Felipe. Mas ele teve que pagar em dinheiro, e achou que um tubo de pasta de dente seria mais importante do que aquela terceira caixa, e o mundo teria menos um Prado. Mas ele pediu duas.
Toca o telefone de novo. Felipe, não desliga até eu terminar de falar. 42 minutos depois, ele desabou no sofá, suspirou, segurou o rosto com as mãos, enfiou a cara na almofada. A 800 km dali, um casal se reconciliava e agradecia ao acaso por isso.
Marina, aquela da balada, pegara o primeiro voo pra São Paulo e caíra no seu balcão, após desabafar para a namorada não queria gestar filho algum. Sendo sua namorada infértil, desencadeou-se uma batalha homérica em torno da barriga de quem faria o quê, e coube aos deuses gregos plantar, naquela noite maluca, a semente que viria a resolver a discórdia.

... E Felipe Barreto nunca tivera tanta sorte na vida.

Ansiedade

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A última coisa que comera fora o almoço, às 16h. Já passava das 2h e Tatiana sentia que devia ingerir algo. Nem sempre o desânimo vem acompanhado de uma explicação razoável. De todos os sentimentos negativos, aliás, o desânimo era o que mais lhe parecia irracional. Sem aviso, como quem não quer nada, ele vinha, e acabava por devastar-lhe. Pegou o último pedaço do pão de mel que guardava na mochila pra caso algum desejo enlouquecedor a assaltasse e gastou-o duma vez só, atirando o pedaço inteiro na boca. Levemente arrependida do gesto, esperou que o chocolate derretesse na boca pra só então mastigá-lo e finalmente engolir.
Amor próprio era algo que não funcionava muito no seu caso. Não que lhe faltasse algum, mas os gestos que julgava serem reflexo de amor próprio só lhe causavam mais remorso. Queria poder pegar o telefone, discar aquele número, que já sabia decor, e ouvir um alô do outro lado da linha. Queria poder dividir toda aquela aflição que a corroía por dentro. Queria extravazar todo aquele sentimento que explodia seu peito. Pra onde vai o amor quando ele é sufocado?
Acordou sem ar no meio da noite. Abriu a boca e puxou o ar depressa, sequencialmente, até de fato despertar e se dar conta do que acontecia. Estendeu a mão até o criado mudo, tateou por uma fração de segundos, encontrou a tal bombinha bronco-dilatadora. Um paliativo, sempre. Cansada e atordoada, fechou os olhos e não quis saber de desencadear pensamentos errantes no meio da noite.
Acordou com a cara enfiada no travesseiro, rosto de uva-passa. A luz do meio-dia invadia o quarto. Puxou o lençol até os olhos, rolou pro lado e desejou que já fosse o fim do dia. Desejou dormir por uma semana e levantar quadno sua vida já estivesse encaminhada. Merda.

Pegou o telefone. 3666, meia duro, meia mole. Um toque. Dois. Três. Caixa postal, e Tatiana ficou na cama de vez.

5.5.10

Menines e menines,

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Estou mêa-alforriada agora. Troquei gesso pela botinha, já posso apoiar o pé no chão e fazer gelo 365 vezes ao dia. De acordo com o dr. Ortopedista, meus ligamentos são meio frouxos - deve ser familiar - e por isso a torção não fodeu tanto meus ligamentos quando foderia, por exemplo, os dele, que não é frouxo. De qualquer maneira. fico mais umas duas semanas com o tal do robofoot, depois com estabilizador, depois comigo mesma e aí é nóis. Devo voltar a jogar dentro de um mês e meio, então façam o favor de ganhar esses próximos jogos aê pra eu ainda ter o que fazer.

Pretendo aparecer no treino amanhã, caso haja. Fora, Sintusp, o futsal não pode parar.

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Esse foi o email que mandei pro grupo de futsal. Devo ser levada a sério?

4.5.10

Cravo e canela

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Gabriela, se eu soubesse que o meu vem te cairia como vai, teria te mandando pra putaqueopariu antes, pra quem sabe você cair aqui.

Meu jogo é Texas Hold'em. Dados, no máximo. Se a sua boca me pede um tempo pra assimilar os acontecimentos, por mais que você me encare de pé e com as duas mãos apoiadas sobre a mesa, por maior que seja o seu decote e por mais que ele me tire o foco, e por mais vermelhos que seus lábios estejam de tanto você mordê-los, eu vou te olhar de volta e simplesmente dizer tudo bem. Por mais que seu corpo diga possua-me e até quem vê de longe fique embaraçado por mim, eu vou atender às suas palavras quando elas me pedem pra ir devagar.
Ruiva, se vira-tempo não fosse coisa de lunático, eu seria rei nesse teu jogo maluco. Seus cabelos-fogo agora enfeitariam meu travesseiro branco, e eu teria que ser boa pra inventar uma piada cada vez que me perguntassem por que caralhos eu não paro de sorrir a esmo. Mas eles não estão, e eu ainda estou aqui, presa em devaneios no meio da madrugada, procurando por meios de reverter gestos irreversíveis.

3.5.10

No dia em que eu sair de casa sem roupa

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Senhoras me olharão com pavor, senhores me olharão com fervor,quarentões tentarão me atacar. Meninas morrerão de pudor, garotos também. Os jornais noticiarão e todos comentarão. Os conservadores acharão um absurdo; os liberais virão em apoio, em bando. Sairei de tênis nos pés e lápis nos olhos, para que a polícia saiba que eu não sou indigente. Todos os próximos ficarão sabendo, mas ninguém terá coragem de perguntar à menina que saiu vagando pela rua nua em pêlo por que ela saiu nua em pelo. Um absurdo, um absurdo. Prendam-na! Não, não prendam. Alguém cubra essa menina, pelo amor de deus, ela vai pegar um resfriado. Tudo bem, dizem por aí que um espirro equivale a um trinta e seis avos de prazer de um orgasmo... Que mal há de fazer uma brisa outonal? Minha filha, você perdeu o juízo, perguntará a senhorinha da loja de penhores. Não, minha senhora, vocês é que perderam. Eu só saí de casa do mesmo jeito que vim ao mundo, e vocês agem como se nunca tivessem visto nada igual.

Jogo da Vida

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- Garçom, um pouco de consistência, por favor.
- Não trabalhamos.
- Bom-senso, tem?
- Não se usa mais.
- Prudência?
- Também não, me desculpe.
- O que vocês têm, pois, meu bom homem?
- Cervejas, cachaças e batidas.
- Ah, é assim, então?
- Pra você, é o que tá guardado.
- Pra mim? Que desaforo.
- É você quem faz suas escolhas, filho.
- Mas isso não estava no contrato.
- Nada que um bom advogado não resolva.
- O que me resta, então?
- Vá pra casa, filho. Descanse um pouco.
- Já estou cansado de descansar.
- Retome o álbum amanhã. Quem sabe não vem alguma figurinha premiada.
- ... Quem sabe.
- Filho?
- Sim?
- Figurinha repetida não completa álbum.
- Vá discutir com os fornecedores.

2.5.10

Autoritarismo Parte II: Y-Control

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Melina, minha menina, senta aqui do meu ladinho e fica quietinha, só um pouquinho. Suas costelas ainda estão arranhadas, e eu tenho certeza de que não foi pulando a cerca que você fez isso. Lixa essa unha, Melina. Se pudesse eu lixava até seus dentes, só pra garantir. Seu sovaco ficar um mês sem ver a cara da gilete também não seria má ideia. Não esquenta, Melina, que tá frio- não é como se você fosse usar regata. Ah, Melina, não faz essa cara pra mim. Não é assim.

Eu não tenho prazer nenhum em te controlar. Se eu te sufoco, Melina, é pra você não parar de respirar.

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