13.9.10

Visões

A mochila às minhas costas me enfornava e o suor colava a camiseta à minha pele quando decidi me sentar à beira do córrego. Não havia vivalma naquele lugar além da minha. No meio da tarde, há um momento em que as panelas param de chiar, as agulhas param de tecer, os pratos param de bater e os motores param de rodar - e começa a siesta. Aquele que tiver alguma pendência a resolver, que espere, porque é siesta, e não há nada que se possa fazer quanto a isso. Pueblitos.
Eu, que não tinha nada que ver com aquilo tudo, continuei minha vida também parada à beira do córrego e me pus a olhar as nuvens pelo reflexo da água. O único som que se ouvia era o dela batendo nas pedras e o do vento agitando as folhas. A superfície eventualmente refletia o sol para dentro do meu olho. Tive a impressão de que as nuvens andavam rápido. Tive a impressão de que iam se chocar umas contra as outras, e de que as árvores seriam desfolhadas numa só ventania. Uma folha caiu roçando meu braço. Me assustei. Olhei pra água de volta e tive a impressão de ver um vulto se aproximando pela minha direita no reflexo. Ao meu redor não acontecia nada. Pisquei. Abri os olhos e tive agora a impressão de que outro vulto vinha pelo mesmo lado, e ele se vestia como você. Pisquei outra vez, não vi nada. Me afastei para um lugar menos úmido, estiquei minha toalha barata no chão e me deitei. Dormi com o sol nos olhos e acordei com tudo azulado. Meu braço sem protetor solar ardia. Sentei-me. Continuei a ver vultos ocasionalmente no canto do olho direito, todos vestidos como você. Decidi voltar. Olhava duas, três vezes à direita antes de atravessar a rua deserta na certeza de que alguma pessoa, moto, algum carro, ônibus ou quizás até um trem vinham daquela direção.
O caminho pra pousada nunca foi tão longo. Entrei no quarto e te encontrei de pé em frente à janela. Passei lentamente por você, que me acompanhava, estática, com os olhos. Sentei-me de pernas abertas na cadeira à sua frente. No canto do olho esquerdo seu braço se ergueu e na minha nuca suas mãos pararam. Encostei nariz e lábios na altura do seu umbigo e me pus em pé. Ao canto do meu olho direito ainda existia um universo paralelo. Podia jurar ter visto de esguelha sua boca sorrir pra mim. Vi também sua camiseta indo embora, seguida pelo seu sutiã, cinto, calça, calcinha, mas, quando pus a mão na sua cintura, meus dedos tocaram o algodão da sua camiseta.

Contei isso pra minha psiquiatra. Disse que meus olhos me enganavam, que viam coisas que não existiam. Ela me mandou usar óculos, disse que minha imaginação preenche o vazio que os olhos não alcançam.