9.6.10

Atroz

Ontem à noite, eu passei pelo parque e te vi comendo um punhado de florezinhas. Não, não comendo. Cheirando. Você estava de shorts e moletom de capuz, devia estar marcando uns 15 graus. Você é tão fodona, tão durona, que eu jamais pensaria que você cheira flores. Que dirá rosas. Rosas têm um cheiro denso e enjoado de nada. Só as rosas rosa, algumas delas, têm aquele cheiro doce que todo o mundo acha que têm as rosas. Você até parecia dócil segurando aquelas flores. Tinha acabado de chover e tudo cheirava a lama, no final das contas. Até as rosas. Seus tênis de caninho estavam enlamaçados, e até sua meia branca estava respingada de barro. Você tremia, esfregando uma à outra essas duas toras que você chama de pernas. Pernas de bicicleta. Eu julgaria ser um menino, se não fosse você a única pessoa na cidade a usar esse moletom laranja, portanto só podia ser você. Até aí, você sempre parece um menino pra quem vê com olhos distantes. Mas eu sei que por dentro você é uma mocinha, frágil e delicada. Tão frágil, tão quebrável, tão de vidro. Você queria ser blindada, mas não é, então anda sempre de guarda alta pra parecer forte. Mas isso é só mais uma fraqueza sua.
Andei devagar em sua direção. Meus pés faziam splash splosh na grama que já não era mais verde. À contra-luz, não pude ver seu rosto, só vi que você tremeu na base. Ameaçou ir embora. Que medo o meu de ter pensando esse monte de coisa, de achar que te conheço, e aí você não ser você. Como eu ia fazer pra explicar pro meu cérebro que você não era você? Ainda bem que era. Você é inconfundível. Te abracei. Você continuou imóvel. Inerte. Segurando as flores. Forte. Até um espinho te sangrar. Você largou as rosas e parou de tremer. Suas mãos estavam cheias de espinhos. Tudo sangrava. Vem, vamos embora, eu disse. Senti aflição. Você veio. Aliviada.