12.3.10

No espelho...

Um rosto pálido e amarelado me encara. Olheiras profundas revelam que a pessoa que me encara supostamente tem dormindo pouco. Um olhar morto é só o que me recebe do outro lado. Morto, sem expressão. Eu diria que a pessoa do lado é um espectro, se eu acreditasse nesse tipo de coisa. Talvez ela esteja só morta por dentro. Dizem que viu restos de um atropelamento um dia desses - o vidro do ônibus trincado, o sangue no chão, as gazes ao lado do sangue - e não sentiu nada além de uma curiosidade perita pela cena. A pessoa atravessou fora da faixa e de repente pow, ônibus, e caiu no chão e sangrou um sangue de Sweeney Todd; tem que ter vindo da cabeça, porque era sangue demais, e os paramédicos chegaram pouco depois e atenderam à vitima, deixando pra trás um bolo de gazes - que provavelmente não foram de muita ajuda, porque a pessoa já devia estar mais pra lá do que pra cá - e um borrão vermelho no asfalto, a partir do qual o sangue descia e se bifurcava, parando dum lado e tornando a se bifurcar novamente no caminho mais comprido dele; o sangue tão plástico que dava até vontade de tocar. Ao lado dela, aquela que costumava ser sua namorada sentia náuseas.
As olheiras mentem, porque ela tem dormido pelo menos as 8 horas de sono indicadas a todos e quaisquer humanos, coisa que nem de longe fazia no ano anterior, quando acordava às 7h atrasada, tendo ido dormir às 2h. Anemia parece plausível. Senão, como eu vou explicar pra mim mesma que minha cara não tem explicação? ... Porque não tem. E essa morte artística, essa morte de espírito, é consequência dos painkillers que sua mente se automedicou, e agora aquela que me olha no espelho não consegue sentir nada além do óbvio que não dá pra esconder e que eu não quero falar.