18.4.10

Helena

Vá se foder era só o que ela tinha a dizer a alguém que jogou fora todo e qualquer amor contido naquele livro comprado anteontem e que nunca seria lido, e naquela carta homérica dentro dele que também nunca seria lida por jamais ter sido notada. Não que todos os sentimentos do mundo se traduzam, no final das contas, em amor, mas o caso em questão requeriu um pouco deste e trinta e dois reais para fazer com que ela quebrasse a rotina enfadonha do nada fazer, levantasse a bunda do sofá e fosse até a livraria debaixo do sol do meio-dia. Alemães, variantes e variáveis adquirem sardas com facilidade.
Meia hora olhando pro vazio pensando no que colocar naquela carta, outra meia pra escrever, 5 minutos de autocensura e uma fração de impulsividade pra lacrar o envelope, enfiá-lo no meio do livro e não se pensa mais nisso.
Todas as barreiras, nós na garganta, palpitações e afins derrubados pelo árduo gesto da entrega e expectativa foram magicamente restaurados por um sorriso plástico e pela indiferença daquela tal ao atirar o livro dentro da mochila sem ao menos ter lido fingido ler a orelha dele pra saber do que se tratava. E ela bem podia estar na putaqueopariu agora, que ninguém se incomodaria. (Às vezes a gente finge, mas não é por mal. Uma leiturinha dinâmica pra demonstrar interesse e dizer nas entrelinhas que vou ler assim que meu constrangimento passar, obrigada, não sei lidar com meus sentimentos.)
E assim Helena descobriu que não gostava da paixão. O que ela não descobriu ainda foi que a causa da sua amargura era o desdém alheio, e que ela não nascera pra ser saco de pancada de otário. Quanto à paixão, fica pra próxima, quem sabe até vale o esforço.