10.5.10

Ansiedade

A última coisa que comera fora o almoço, às 16h. Já passava das 2h e Tatiana sentia que devia ingerir algo. Nem sempre o desânimo vem acompanhado de uma explicação razoável. De todos os sentimentos negativos, aliás, o desânimo era o que mais lhe parecia irracional. Sem aviso, como quem não quer nada, ele vinha, e acabava por devastar-lhe. Pegou o último pedaço do pão de mel que guardava na mochila pra caso algum desejo enlouquecedor a assaltasse e gastou-o duma vez só, atirando o pedaço inteiro na boca. Levemente arrependida do gesto, esperou que o chocolate derretesse na boca pra só então mastigá-lo e finalmente engolir.
Amor próprio era algo que não funcionava muito no seu caso. Não que lhe faltasse algum, mas os gestos que julgava serem reflexo de amor próprio só lhe causavam mais remorso. Queria poder pegar o telefone, discar aquele número, que já sabia decor, e ouvir um alô do outro lado da linha. Queria poder dividir toda aquela aflição que a corroía por dentro. Queria extravazar todo aquele sentimento que explodia seu peito. Pra onde vai o amor quando ele é sufocado?
Acordou sem ar no meio da noite. Abriu a boca e puxou o ar depressa, sequencialmente, até de fato despertar e se dar conta do que acontecia. Estendeu a mão até o criado mudo, tateou por uma fração de segundos, encontrou a tal bombinha bronco-dilatadora. Um paliativo, sempre. Cansada e atordoada, fechou os olhos e não quis saber de desencadear pensamentos errantes no meio da noite.
Acordou com a cara enfiada no travesseiro, rosto de uva-passa. A luz do meio-dia invadia o quarto. Puxou o lençol até os olhos, rolou pro lado e desejou que já fosse o fim do dia. Desejou dormir por uma semana e levantar quadno sua vida já estivesse encaminhada. Merda.

Pegou o telefone. 3666, meia duro, meia mole. Um toque. Dois. Três. Caixa postal, e Tatiana ficou na cama de vez.